Greve na função pública
“Hoje é dia de greve na administração pública. Os funcionários públicos, como qualquer trabalhador português, têm todo o direito de convocar as greves que entenderem. Mas os seus representantes sindicais revelam grande dificuldade em aceitar que outros discordem das razões que estão na origem dos seus protestos.
Foi isso que fiz num editorial do jornal que dirijo, logo no dia em que as três organizações sindicais convocaram a greve geral de hoje. O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores, que pertence à federação nacional afecta à CGTP, brindou-me com um direito de resposta, absurdo porque evoca uma lei que não se aplica, mas que o Jornal de Negócios ainda assim vai publicar, com o título simpático Quando o gozo alimenta a ignorância.
A técnica de defesa é conhecida: os críticos são sempre apresentados como «adversários» dos funcionários públicos, o que é ridículo. Mas dá jeito ter um inimigo, ainda que inventado, para mobilizar para uma guerra que, afinal, só existe nas suas cabeças. E, fazendo a pior das demagogias com as dificuldades reais que a administração pública atravessa, jogam com sentimentos, dizendo que «têm sido vítimas de campanhas de difamação e descredibilização perante a opinião pública», atribuindo-me e a «outros fazedores de opinião da mesma casta» uma série de actos horríveis, como o direito de ter opinião diferente da sua. A greve de hoje, dizem, «não é uma luta egoísta e diferente da luta de quaisquer trabalhadores». Mas omitem, deliberadamente, que defendem direitos que os outros não têm, um sistema de saúde de uma generosidade que os outros não dão, a garantia de emprego certo que mais ninguém tem, condições de reforma que só dentro de 10 anos se equiparam ao regime geral. Por muito que lhes custe ouvir, trabalhar para o Estado continua a ser, apesar de tudo e nos tempos que correm, um privilégio. Não temos, infelizmente, um país com recursos para nivelar todos por cima. É por isso que esta é uma greve egoísta. Não venham falar de insegurança e precariedade no Estado. Não por causa dos tipos da minha «casta», mas porque insulta todos os desempregados deste país”
Foi isso que fiz num editorial do jornal que dirijo, logo no dia em que as três organizações sindicais convocaram a greve geral de hoje. O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores, que pertence à federação nacional afecta à CGTP, brindou-me com um direito de resposta, absurdo porque evoca uma lei que não se aplica, mas que o Jornal de Negócios ainda assim vai publicar, com o título simpático Quando o gozo alimenta a ignorância.
A técnica de defesa é conhecida: os críticos são sempre apresentados como «adversários» dos funcionários públicos, o que é ridículo. Mas dá jeito ter um inimigo, ainda que inventado, para mobilizar para uma guerra que, afinal, só existe nas suas cabeças. E, fazendo a pior das demagogias com as dificuldades reais que a administração pública atravessa, jogam com sentimentos, dizendo que «têm sido vítimas de campanhas de difamação e descredibilização perante a opinião pública», atribuindo-me e a «outros fazedores de opinião da mesma casta» uma série de actos horríveis, como o direito de ter opinião diferente da sua. A greve de hoje, dizem, «não é uma luta egoísta e diferente da luta de quaisquer trabalhadores». Mas omitem, deliberadamente, que defendem direitos que os outros não têm, um sistema de saúde de uma generosidade que os outros não dão, a garantia de emprego certo que mais ninguém tem, condições de reforma que só dentro de 10 anos se equiparam ao regime geral. Por muito que lhes custe ouvir, trabalhar para o Estado continua a ser, apesar de tudo e nos tempos que correm, um privilégio. Não temos, infelizmente, um país com recursos para nivelar todos por cima. É por isso que esta é uma greve egoísta. Não venham falar de insegurança e precariedade no Estado. Não por causa dos tipos da minha «casta», mas porque insulta todos os desempregados deste país”
Sérgio Figueiredo, Caso, Cara e Conta, Sábado n.º114 (06/07/2006)
A greve, meus senhores, é uma instituição, no sentido de hábito estabelecido, séria. Não no sentido que ultimamente se tem dado ao conceito de greve, como na última greve dos professores que coincidiu com o pós feriado municipal de Lisboa e com a véspera de um feriado nacional, proporcionando assim, com o recurso a um ou dois dias de falta, uma semana inteira de férias.
Tendo em consideração as últimas greves de que tenho memória, podemos mesmo falar de um (ab)uso do direito à greve. Uma deterioração de um conceito/instituição tão importante e tão sério numa democracia que se preze de usar desse nome.