http://www.makepovertyhistory.org estigma2005: junho 2006

terça-feira, junho 27 

Elogio do Amor

Encontrei este texto aqui. Não consegui encontrar o texto original. Vou reproduzir o texto na íntegra, se quiserem consultar os comentários é só clicar no link acima.

"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber.
Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.
Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e é mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.
O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática.
O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, banançides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra.
O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos.
Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.
Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo.
O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. é uma questão de azar.
O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra.
A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina.
O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima.
O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente.
O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.
O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.
O amor é uma coisa, a vida é outra.
A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz.
Não se pode ceder. Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra.
A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

Miguel Esteves Cardoso in Expresso

sábado, junho 17 

Influência dos “estímulos ambientais” no comportamento humano

Situação de análise: um indivíduo divide os seus afazeres entre dois locais diferentes, com uma significante distância geográfica a separá-los, onde faz as suas actividades normais do dia-a-dia, incluindo a alimentação, tendo à sua disposição a mesma qualidade de fruta, por exemplo, maçãs, laranjas, pêssegos, bananas e uma fruta da época.

Acontecimentos: verificou-se que, num dos locais, o denominado local 1, o indivíduo demonstrou preferência por bananas e maçãs, enquanto que no local 2 o indivíduo mostrou apetência por pêssegos e laranjas ou fruta da época.

É da opinião do autor que este desvio de comportamento, tendo mesmo em consideração factores aleatórios, se deve à influência de “estímulos ambientais” que divergem de local para local. A identificação desses estímulos, além de morosa e muito extensiva é na realidade desnecessária para a conclusão.

Aceitam-se críticas e comentários.

 

Engano e Ilusão

Experiência recente numa loja do cidadão do país. Após um estranhar inicial relativamente à aplicação do termo loja a um espaço tão singular, cheguei à conclusão que não passava disso mesmo. Uma loja é um espaço onde alguém, o “comerciante”, vende produtos ou serviços a outrem, o “cliente” ou “utente”.

Adiante. O que me prendeu a atenção, até por ter sido directamente afectado pelo facto, foram as pequenas máquinas de senhas existentes, salvo raras excepções, em cada “repartição” da bendita loja. Recordo-me perfeitamente ao retirar a senha para ser atendido por um dos serviços:
SENHA A00228
HORA: 16:08
ATENDIMENTO PREVISTO: 16:25

Deduzi que a singela máquina recorria a algoritmos sofisticadíssimos de modo a determinar, com um elevado grau de certeza, a hora a que seríamos atendidos e esperei pacientemente pela minha vez, sem deixar de sentir uma ligeira sensação engodo… Fui atendido pelas 16:50 e não deixei de sentir um amargo sabor na boca… Isto tudo por quê? Fui momentaneamente afectado por um fenómeno de “ilusão temporal” que me fez esperar quase uma hora para ser atendido.

A questão principal e que eu gostaria de frisar é que a máquina foi correctíssima, a hora de atendimento prevista era a das 16:25. Assim sendo, não fui enganado, mas não pude deixar de me sentir iludido… O engano como eu o apresento pressupõe a intervenção de um terceiro enquanto que a ilusão é auto-infligida. Mais importante que combater o engano é combater a ilusão.

terça-feira, junho 13 

Panorama dos jogos de vídeo, texto do Nebur do mconsolas

Este texto foi-me enviado para comentar pelo Nebur do fórum mconsolas.net . Segui a sua sugestão e publiquei o seu texto, ao qual acrescento os meus comentários.


"Clássicos?

[1] Há cerca de dois anos, não mais do que isso, surgiu uma nova tendência: revitalizar – e não ressuscitar, dar seguimento, como aconteceu com Prince of Persia e Ninja Gaiden, por exemplo – os “clássicos”. Nas 128 bits. É uma iniciativa louvável, não fosse o facto de para o comum dos jogadores os “clássicos” não passarem de uma curiosidade.
Independentemente do sucesso ou fracasso comercial de cada título, há dois pontos importantes que não devem passar despercebidos.

Primeiro: a limitação desses mesmos títulos, frequentemente centrados numa produtora, como a Atari, ou numa personagem, como Sonic ou Megaman.

Segundo: a ausência do conceito de História dos Videojogos e o papel dos Média na sua transmissão.

[2] Quanto ao primeiro ponto, e dando uma opinião pessoal, poucas dessas colectâneas me suscitaram algum interesse. Penso que seria muito mais interessante uma grande colaboração entre várias importantes produtoras, de modo a termos acesso aos “Best of” de cada consola, como a Mega Drive, Super Nintendo, etc. Assim seria possível jogar um Super Mário na PS2, ou um Metroid na Xbox.

[3] Quanto ao segundo ponto: a Indústria dos Videojogos é, actualmente, uma das mais importantes e lucrativas indústrias do Mundo, embora passe despercebida – ou seja hostilizada – pela maioria dos Média.
A imprensa especializada é formada maioritariamente – e tendo em conta o panorama mundial – por pseudo-jornalistas e pseudo-críticos, amantes do “jogo do momento”. Na tradição Anglo-americana, as “revistas de jogos” são um amontoado de imagens sem sentido. O Fanatismo é incapaz de transmitir moderação, logo, conhecimento. Os “clássicos” são, também para eles, uma mera curiosidade.

[4] O autismo da Indústria é bem visível dentro das próprias produtoras, incapazes de afirmar o seu trabalho ou reivindicar o que quer que seja. Os jogadores insistem impávidos e ignorantes ao passado, presente e futuro da Indústria, como assistiram ao seu colapso na década de 80, inundada por indiferentes, também eles, títulos. Foi nesse terreno pantanoso que um dia nos movimentámos."


O meus comentário foram feitos ponto a ponto e são os seguintes:
[1] De facto os clássicos são uma curiosidade. Nessas transposições geralmente há um grande número de alterações ao jogo, de tal modo que na maior parte dos casos o que têm em comum é apenas uma história ou um nome.
Nesses casos o que me parece mais adequado é que os jogos sejam jogados tal qual eram, ou então feitos jogos que mantenham as mesmas linhas de jogo sem alterações radicais (por exemplo: passar de 2d para 3d é uma tarefa muito complexa, principalmente se quisermos ser fiéis ao original). A evolução dos jogos foi de tal forma rápida que as adaptações tornam-se difíceis. No entanto essa situação deve alterar-se no futuro, com os jogos a terem uma evolução mais lenta e a tomarem outros sentidos ou retomarem jogabilidades que se tinham abandonado (como faz a XBox 360 com os seus jogos de arcade por download no serviço on-line).

[2] Vais de encontro à minha opinião, se bem que eu não vejo grande interesse na disponibilização de "best of" mas sim na disponibilização, possivelmente online, de todos os jogos anteriores. Seria como uma biblioteca onde poderiamos encontrar todos os livros escritos.

[3] O papel dos média não é fazer história, é comunicar informações. Registar a história é um dever dos historiadores, os jogos têm de encontrar o seu lugar na área de história, tal como o cinema ou a música o fizeram. O facto de os jogos serem um fenómeno cultural recente e que vem de um meio pouco artístico/académico não favorece a escrita da história. Espero que alguém se dedique a escrever livros de história dos jogos de vídeo e que se comece a fazer uma sistematização da mesma, esses esforços seriam muito úteis. No entanto essa não é a minha área de maior interesse, se bem que é útil para outros desenvolvimentos que me cativam.

[4] Nem todos os jogadores são assim, há é uma cultura de massas dominante nos jogos que torna os jogadores activos insignificantes do ponto de vista das vendas.
As produtoras não revindicam nem arriscam muito tal como acontece noutras áreas, é uma questão da cultura contemporânea. Dentro de algum tempo os negócios vão ter de mudar porque se as empresas procuram em demasia agradar ao cliente, dar-lhe aquilo que ele quer, vão começar a tornar-se aborrecidas e a perder negócio. Daqui a algum tempo vamos ter alterações nos jogos e noutras formas de arte porque o modelo de marketing da maior parte das empresas vai entrar em ruptura.

quinta-feira, junho 1 

Aluno médio da FEUC

Apresento uma foto dum exemplar de aluno médio da FEUC.



Parece estúpido e inerte.
E é.

Parecia uma faculdade, mas é uma escola de adestramento.

Já imaginaram frequentar uma instituição preenchida de koalas?
É complicado, muito complicado.

 

O cérebro do chimpanzé

Jane Goodall pode ser encontrada em entrevista ao DN, começa por falar em chimpanzés e termina com o Homem. A entrevista não começou mal e cativou-me a fazer o leitura da mesma. Infelizmente pouco tempo depois começa o desastre e o paradoxo, a defesa e a oposição de uma mesma coisa.

A dado momento da entrevista encontramos:

"Da espécie humana diz que o cérebro é capaz de coisas maravilhosas, mas também de outras terríveis. Qual será o balanço final, na sua opinião?

Depende de nós e da próxima geração. Mas penso que houve um corte entre o nosso cérebro extremamente inteligente e o coração, ou seja, a compaixão e o amor. Essa rotura faz do ser humano uma criatura perigosa.

(...)

A religião é assim tão importante?

A religião é hoje responsável por grandes violências. Os fanáticos islamistas, cristãos e judeus são responsáveis pela maior parte dessa violência. Precisamos de quebrar as barreiras erigidas pelos fanáticos. Temos que criar uma massa crítica entre a juventude, da qual sairão as futuras gerações de líderes, que acredite que vida não passa só por fazer dinheiro."

A resposta à primeira questão que citei não me causou uma perplexidade imediata. Eu não ponho a questão naqueles termos, prefiro considerar que nós, Homens, continuamos com um comportamento fundamentalmente emocional e com uma racionalidade que se remete para questões tecnológicas. Mesmo assim aceitei aquela aproximação por parte da entrevistada da aparente ruptura com as emoções , que na minha prepectiva não passa de um afecto por um novo objecto, mais material só que igualmente emocional. O Materialismo é a nova paixão e essa dama faz-se cara.

A isso seguem-se uns exemplos sem grande valor nem interesse, leiam a entrevista para os conhecer. Da minha parte passamos já à segunda citação que menciona as religiões. As religiões também são um produto do coração e geralmente assentam em ideias de compaixão e amor. Claro que não é nem tem de ser sempre assim e aquilo que fica denominado como fanatismo é, para a entrevistada, uma religião desvirtuada - sem coração. Aqui vi o problema a que inicialmente não tinha dado importância sobre a forma como é apresentada a nossa alteração de paixão para o Materialismo. Jane, que desde que foi baptizada estava condenada a passar o tempo na selva com macacos, não consegue avaliar correctamente o comportamento humano e acaba por dizer que nós, por qualquer truque de magia, mudámos repentinamente para um cérebro que funciona de outra maneira, fria e material. Talvez devesse ter em conta que nos exemplos que menciona a alteração do comportamento se deve a questões sociais/valores que direccionavam as emoções para outros objectos. Também não precisava de se esquecer que os ditos "fanáticos" não agem com outra coisa que não seja o coração e que esse coração tanto nos leva para o bem como para o mal, ambos são indefiníveis para a nossa racionalidade e assentam no "coração" (emoções).
Jane é uma ditadora do bem, "pensem o que eu penso e o bem reinará". Se todos fossemos igualmente fanáticos por uma religião não existiriam grandes problemas: quando todos pensamos e agimos da mesma forma não é fácil desenvolver conflitos.
Só que nós somos diferentes, discordamos, e o que ganha valor não é o bem, é o poder, a força. A nossa espécie coopera para vencer uma outra parcela da nossa espécie e, tal como nos restantes animais, as relações de conflito são parte importante na definição dos grupos. As lógicas de paz e amor generalizadas a toda uma sociedade são anti-naturais, querem retirar-nos o conflito, algo que nos é fundamental (a nível individual a situação é diferente).
A entrevistada, que no fundo tenta uma ruptura entre "cérebro extremamente inteligente e o coração", falhou e as conclusões que tomou resultaram numa poça de paradoxos. Somos seres emocionais, mas dominamos algumas regras de lógica e se elas são violadas damos por isso.
Quando escrevemos textos como este ou quando respondemos a entrevistas há uma parte de nós que trabalha as emoções com as ferramentas da racionalidade de forma a que possam ser comunicadas, nós não conseguimos transmitir emoções em estado puro. A qualidade dessas ferramentas é que faz toda a diferença no trabalho constante de persuasão (a forma de conflito ideal, sem destruição de uma ou ambas as partes) e nesta entrevista essas ferramentas mostram que precisam de ser afinadas. É que o coração não é só amor e compaixão, também é ódio e frialdade.

As religiões são peças importantes na alteração de comportamentos e de "guerra" ao materialismo. A espiritualidade, experiência individual, depende da religião e é o afastamento dela que dá lugar ao Materialismo. A fé é sempre uma forma de fanatismo, é necessário acreditar que aquele conjunto de ideias é que nos conduz ao bem.

Podemos, tal como acontece comigo, defender que o Materialismo é "mau", é uma paixão que nos leva a um sentimento de fracasso e constante insatisfação. Só que para defendermos isso temos de ter em conta que estamos a trabalhar com uma base emocional diferente, é essa base que nos indica o que é bom e o que é mau, já que estes não existem no absoluto. Temos de reconhecer que os outros seguem um processo igual ao nosso e que direccionam muitas das suas emoções para questões materiais (a seu ver isso é o bom), iniciando-se um conflito entre o que é desejável para uns e para outros.
No fundo é mais um conflito, a história repete-se, como sempre.