http://www.makepovertyhistory.org estigma2005: novembro 2006

segunda-feira, novembro 27 

O físico morre, a alma vive

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
Mário Cesariny (1923-2006)

domingo, novembro 26 

Fugas pt. I

Estou farto disto
Não posso mais
Todos os dias
Passam iguais
Como um fantasma
Com escorbuto
Corro a cidade na busca de um xuto
Speed ou heroa
Coca ou morfina
Tudo me serve
Como vacina
Desde que traga a santa narcotina
Furam-me os ossos
Caem-me os dentes
Reflicto ao espelho sinais indigentes
Mas o pavor
É da ressaca e da dor

Já desvairado
Com tanta volta
Sempre sem ver
Poda ou recolta
Fico em suores
Vem-me a carência
Sinto-lhe a mão sem qualquer clemência
Pica-me as pernas
Prende-me as costas
Fere-me os tímpanos
Em dores expostas
No rito ansioso do coçar das crostas
Não posso mais
Tudo o que eu quero
É ver-me livre deste ruim desespero
Um caldo tal
Que seja um ponto final


Mão Morta, Gumes (excerto)